– Oi Má. Má?! Ei Mário, responde meu amigo.
– Ah. Oi Clarice, desculpe, estava a contemplar o nada e…
– Contemplar?! Só você meu amigo, bem sabes que aqui não mais fazemos isso.
– Sei, mas, é o hábito…
– Hum. Agora, só falta dizer que é saudade. Saudades são para aqueles viventes em corpo e alma. Já passamos daquela vida. Aqui não tem disso não Mário.
– Não é Isso não Clarice. É que estou mergulhado em dúvidas. Quando estava lá, escrevi muitos textos, que não eram meus, mas de inspirações e sei de lá de quem! Vinham de fora para dentro. Esse de fora, devia ser daqui, não? E se foi, tem gente lá agora que se alimenta de nós?
– De novo, esses velhos hábitos, amigo. Deixa te falar:
“A poesia, Mário, sempre será escrita por lá. E a matéria prima é de lá também. Não tem texto que você escreveu que não tivesse vindo de você, de sua história vivida, sofrida, seus desejos, alegrias e frustações. E se foi poeta do bom que foi, Mário, você bebeu foi de amarguras.
Quem daqui ia te passar sofrimento? Desde que cheguei só vejo o bom trabalho!
Vem cá. Estás é com reminiscências e preocupado com que sua obra seja esquecida. Que não vão lembrar mais de seu anti-herói. Aliás, que nem é seu, pois você tirou foi é do povo.
Deixa te mostrar uma coisa amigo: Conversar!”
– Estou conversando Clarice.
– Escuta direito então homem. O povo continua lendo o que fizemos por lá. Veja aquele grupo Conversar. Sempre se reúnem a mostrar as obras autorais e de convidados. Reúnem-se e declamam obras como chocolates bem doces e sem sair fora da linha; também contam nossa história e com professora. Mas não esquecem de ti Mario. Lembro de uma vez em que você esteve de corpo e alma…e causou furor, é, foi representação, mas teve vibração, não sentistes?
– Senti sim, Clarice. Teve um penetra que era eu cuspido. E era só um sarau para lembrar de mim, de repente, aparece minha figura em carne. E você estava lá também, né amiga? O gozado é quem mais tem declamado sua obra é quem menos gosta de seus textos. Sinal de respeito.
– E acha que eu me importo, Mário? Nem lá e nem aqui.
– E nossos amigos estiveram por lá também, até do estrangeiro. O Pessoa, o Neruda.
– Você é incurável, aqui não tem estrangeiro.
– Só por dizer Clarice.
– É, Mário, o Neruda foi lá e conversou com Jorge e Zélia, nem eu sabia das viagens desses comunas.
– O bom nesse sarau é que sempre lembram de nossos amigos: a Cecília, o Manuel Bandeira e o Manoel de Barros, com sua palavra da terra. Teve o João Cabral, o Drummond e o Leminski.
– E lógico, amigo, o grande mestre Machado.
– Verdade, Clarice. E o Vinícius veio até em modinha cantada por um caminhante, lembra? Música é que não falta, do tempo de hoje e dos velhos, com viola ou piano. Tem até hino.
– E um monte de fazedores e contadores de histórias por lá. Aventureiros do mar, da terra e da alma. Artistas das mãos, dos pés, das ruas. Não se preocupe, amigo, nossa obra está garantida. E estão cuidando para que novos talentos surjam. E sabes que nosso grupo é quem organiza tudo isso lá?
– Que grupo Clarice?
– O das mulheres, claro. Elas vão levando e fazendo histórias.
– Tem razão. E nós vamos conversando.
– Isso aí amigo. Temos muito que trabalhar e conversar. Vamos andando Mário.
– Agora é que te peguei Clarice. E aqui a gente anda?
Sérgio Sesiki – 29 de julho 2020